17 de jan. de 2014

O Lobo do Mar - Jack London

Além de jornalista, marinheiro e escritor, Jack London era um notório aventureiro, foi para o Alasca em busca de ouro, certamente suas expedições eram a inspiração para escrever contos, poesias e ensaios. Alguns destaques do autor como os livros, "O Chamado Selvagem" e "Caninos Bancos", também já tiveram um espaço garantido aqui no blog.
No auge de sua inspiração, Jack London concebe ao mundo literário O Lobo do Mar, este que segue nos mesmos moldes de suas outras obras, extremos e diferentes realidades sendo colocados a prova em um mesmo plano, tendo como cenários paisagens fascinantes em meio a natureza, com boas doses de estadias em lugares inóspitos e enebriantes, onde a luta pela vida é uma necessidade constante.
Escrito em 1903, O Lobo do Mar é uma excelente análise psicológica, influenciado pelas ideologias de Darwin e Nietzsche, Jack London nos apresenta na obra facetas do bem e do mal, nos fazendo pensar qual é o significado e o real valor de nossas vidas. Apesar de leitura fácil e descomplicada, o livro trata de  assuntos polêmicos, onde conclusões arrebatadoras de nossos personagens garantem boas horas de reflexão.
As viagens marítimas de Jack London a bordo de um barco caçador de focas, serviram como inspiração para "O Lobo do Mar". O escritor narra a história do crítico literário Humphrey Van Weyden, náufrago resgatado por Lobo Larsen. E uma vez abordo do navio Ghost, a vida de Humprey jamais voltou a ser a mesma.
Nietzsche
Nos primeiros capítulos, o autor derrama uma série de teorias filosóficas associadas a Nietzsche, personificando o capitão do sombrio Navio Ghost, onde sua rigidez e ordem de comando opressora, faz com que ninguém tenha dúvida de quem realmente está com as rédeas em punho.
Lobo Larsen também deixou bem explícito seu ceticismo, não acreditava em qualquer divindade,  existência de alma ou coisas do tipo. Para o capitão não temos nada além do corpo, onde certamente o medo tem como origem o temor que temos de nos machucar, coisa que ele não sentia, assim como também não tinha compaixão por nada nem ninguém, e intitulava esses sentimentos como fraquezas.
Darwin
No outro extremo da corda temos nosso personagem que fora resgatado, sem calos nas mãos, um homem criado em meio a livros e culturas infindáveis, que nunca havia realizado algum serviço braçal ou visto cenas de brutalidades e violência física. 
Notavelmente o patamar mais elevado das discussões filosóficas, se dão por conta dos debates intelectuais entre Humphrey e Lobo Larsen. Onde em suas mangas, sempre estavam munidos de citações de grandes escritores e filósofos, bastava um diálogo qualquer entre os dois para que pudesse vir a tona temas notavelmente interessantes, seguindo desde a criação da vida até a evolução do homem. Questões sociais, religiosas e culturais também faziam parte dos assuntos abordados.
Quando a pauta pendia ao materialismo e o valor da vida, somos levados a profunda reflexão, onde frases de grande impacto irão martelar constantemente na cabeça do leitor.
Uma obra dotada de uma narrativa fantástica, entretendo o leitor com as relações peculiares entre os tripulantes da embarcação. Sangue, mortes, atos desumanos, castigos, desafios a natureza, mesmo ela se apresentando em sua forma mais brutal. Temos também uma verdadeira aula de psicologia, pessoas vivendo confinadas em alto mar, longe da sociedade e da terra firme, sob comando de Lobo Larsen, um ser que mescla selvageria, força física a uma capacidade intelectual direcionada a sobrevivência sem remorsos, custe o que custar. Corriqueiramente profanando atos demoníacos, como se fossem uma simples tarefa de sua rotina diária, garantindo cenas cheias de horror, onde ao decorrer das páginas, faz com que a obra ganhe um ritmo espetacular, picos de tensão e euforia são constantes, umas das melhores aventuras que pude ler.
Após ser resgatado pelo navio Ghost, Humprey passou longos dias a se recuperar do acidente que sofrera durante o naufrágio de sua embarcação, e com muito esforço e sofrimento, muita das vezes segurando as última fagulhas de sua vida nas pontas dos dedos, para ali então permanecer vivo. 
Mas com o passar do tempo Humprey evolui física e mentalmente, andando com as próprias pernas, em um novo mundo que até então não conhecia.
Uma aventura empolgante, onde os acontecimentos não param, e em certo ponto as coisas mudam de rumo, quando também perdida no mar e resgatada pela Ghost, sobe abordo a nobre escritora Maud Brewster, e a partir daquele instante, essa nova tripulante passará a ter sua vida a merce da sorte e das inconstâncias de Lobo Larsen, passando a trabalhar em sua embarcação, nas mais ríspidas condições.

Logo de início Humprey foi sugado pelo brilho dos olhos da linda moça, de face sempre rosada, com traços femininos encantadores,  o amor depois de tanto tempo, aterrissara nesse novo mundo em que Humprey vivia. Não mais sozinho no embate pela vida, traça um novo plano, onde esforços não seriam medidos, e já nessa nova etapa, a força física adquirida trabalha em conjunto com seu intelecto que sempre fora muito em forma, mas agora mais experiente, levando o leitor rumo a um final expetacular.  
Como sempre, Jack London dá um show na criação de personagens, onde suas concepções sobre vida e morte, bem e mal, espírito e matéria, garantem um leitura memorável. Uma ideologia sobre os fracos e os fortes, diálogos marcantes, sempre expondo confrontos de personalidades entre os protagonistas com palavras bem colocadas. 
Jack London em 1885, 9 anos

Com muita maestria Jack London conduz a narrativa, descrições de ambientes e termos técnicos de navegação marítima, que nosso aventureiro e escritor muito bem conhecia.    

O Lobo do Mar ganhou adaptações cinematográficas em 1941 e 2009.
Um grande clássico da literatura, que vai além de um simples romance, um livro que propõe diversos dilemas morais, nos faz pensar na vida de um modo geral, pontos de vistas diferentes, personagens marcantes e um cenário fantástico, onde as intempéries da natureza trazem castigos vindos do mar a qualquer instante, com se não bastassem as dificuldades em ser subordinado a Lobo Larsen, um livro que todos deveriam ler. Casa de Livro recomenda.
Jack London, amante de aventuras marítimas
ao lado de um navio em construção in 1906

Titulo: O Lobo do Mar
Título  Original: The Wolf Sea
Autor: Jack London
Páginas: 226
Ano lançamento: 1903
Editora: Martin Claret

Boa Leitura

Casa de Livro

Sidney Matias
**

"À noite tive outra surpresa, mas de diferente tipo. Indo a mandado do cozinheiro fazer a arrumação da cabina de Lobo Larsen, vi lá uma estante cheia de livros. Olhei-os com espanto. Obras de Shakespeare, Poe, Tennyson e De Quince. A astronomia e a física também estavam representadas. Vi ainda a Idade da Fábula, de Bulfinch, a História da Literatura Inglesa e Americana, de Shaw e a História Natural, de Johnson. Havia ainda gramáticas e um exemplar do Dean's English, que me fez sorrir.
Era-me impossível compreender a existência daqueles livros na cabina dum bruto como Larsen, a não ser que ali estivessem por acaso, não para serem lidos. Ao arrumar a cama, entretanto, descobri um volume de Browning aberto na poesia "ln the Balcony", e com passagens marcadas a lápis. Um papel assinalava uma página — um papel com diagramas geométricos e cálculos.
Evidentemente Larsen não era apenas a brutíssima fera que suas violências me haviam mostrado — e tornou-se-me logo um enigma para o espírito. Ou era o homem daqueles livros ou era o Larsen daquelas brutalidades."
"— Eles movem-se, tal qual a água-viva. Movem-se para que possam comer, e comem para manterem-se em movimento. Eis tudo. Vivem por amor do estômago e o estômago neles funciona para mantê-los em vida. É um círculo vicioso. Não conduz a nada. Ao cabo de certo tempo, paralisam-se. Cessam de mover-se. Morrem.
— Mas também sonham, disse eu. Sonham maravilhosos sonhos...
— Sonhos de vermes, concluiu Larsen sentenciosamente.
— E além disso...
— Vermes. Vermes de apetites mais fortes e capazes de os satisfazer. Reflita. Sonham com viagens bem-sucedidas, que lhes hão de dar mais dinheiro. Sonham tomarem-se contramestre de navios, descobrirem tesouros — ficarem em melhor situação, em suma, para melhor depredar seus companheiros, gozar-se de repouso e forçar outros a fazer para eles os trabalhos pesados. Também eu e você somos a mesma coisa. Não vejo diferença, a não ser que temos comido mais e melhor. Eu estou a devorá-los agora — e a você também. Mas no passado você devorou mais e melhor do que eu. Dormiu em macias camas, usou roupas finas e regalou-se de manjares. Quem fez essas camas, essas roupas e esses manjares? Não foi você. Você nada fez, nunca, com o suor do seu rosto. Sempre viveu duma renda conseguida por seu pai. Tal qual uma fragata, das que atacam outras aves marinhas para lhes roubar o peixe. Você faz parte do bando que organizou o que se chama governo e que depreda o que os outros conseguem para si. Você usa roupas agradáveis. Outros teceram e coseram essas roupas — mas lá estão andrajosos, a tiritar de frio, implorando de você, ou do seu advogado, ou do seu procurador, um miserável emprego. — Mas isto está fora do nosso caso, exclamei."
"Tudo isto me passava pela cabeça, ao rever a situação e ao considerar o papel que o destino me pusera a representar na vida. Também pensei nos meus  — em minha mãe e minhas irmãs, certas da minha morte no naufrágio do "Martinez" e imaginei as angústias por que estariam passando. Cheguei a ver o meu necrológio nos jornais, e os colegas do Clube Universitário meneando a cabeça e dizendo: "Pobre Humphrey"!."
“Chegamos a um ponto em que a capacidade de viver de um homem é determinada pelo dinheiro que ele possui."
"O que sucedeu durante a minha estada na "Ghost" é uma história de dores e humilhação. O cozinheiro, chamado "o doutor" Tommy pelos caçadores de focas e "Cooky" por Lobo Larsen, mudara muito. A degradação de estado social que sofri fê-lo  mudar  o  modo  de  tratar-me.  De  bajulador  e  servil  que  fora,  passou  a autoritário. Na verdade eu já não era o afidalgado gentleman  de pele de moça, mas um simples e comuníssimo serviçal de copa."
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"Isso provocou nova explosão da impulsividade do capitão. Coisa instantânea, pois ocorreu no espaço de dois segundos. Dum salto de dois metros projetou-se contra o rebelde e afundou-lhe um tremendo murro na boca do estômago. Senti esse murro em meu peito, e hoje noto o fato para mostrar como eu era sensível naquele tempo e pouco  afeito à vida bruta. O  rapaz dobrou-se em dois, apesar das cento e sessenta e cinco libras que pesava, talo pano molhado que se dobra ao choque dum conto de bastão. Viu-se erguido no ar e projetado por terra, perto do cadáver, onde ficou a estorcer-se em agonia.   — Então? rosnou Lobo Larsen voltando-se para mim. Já se decidiu?"
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"— Que é que faz, para viver?   
Confesso que nunca me haviam posto semelhante pergunta, nem eu a julgara possível. 
Fiquei indeciso, e foi ainda tonto que respondi:
— Eu... eu sou um gentleman. Seus lábios crisparam-se sarcasticamente. "
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"Há uma quantidade limitada de água, de terra, de ar, mas a vida que está à espera de nascer é ilimitada. A natureza é de uma prodigalidade infinita.”
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“É certo dizer que a vida não tem valor senão para ela mesma. E posso dizer que agora minha vida é extremamente valiosa: para mim. Está além de qualquer preço, o que poderá lhe parecer uma valorização excessiva, mas isso é algo que não posso evitar, porque é a vida em mim quem estipula esse valor.”

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