15 de jul. de 2023

21 OF THE "35 SONNETS" BY FERNANDO PESSOA - English and Portuguese

In the bilingual text presented below, each of the other 21 sonnets now published bears an indication of who wrote it.

translated: 16 translations belong to José Sena, 4 are by Casais Monteiro and mine, 1 is by José Blanc from Portugal.

***


I

Wheter we write or speak or do but look

We are ever unapparent. What we are

Cannot be transfused into word or book.

Our soul from us is infinitely far .

However much we give our thoughts the wil l

To ber our soul ana gesture it abroad,

Our hearts are incommunicable still.

I n what we show ourselves we are ignored.

The abyss from soul to soul cannot be bridged

By any skill of thought or trick of seeming.

Unto our very selves we are abridged

When we would utter to our thought our being.

We are our dreams of ourselves, souls by gleams,

And each to each other dreams of others' dreams,


IV

I could not think of thee as pieced rot,

Yet such thou wert, for thou hadst been long dead;

Yet thou liv'ast entire in my seeing thought

And what thou wer t in me had never fled.

Nay, I had fixed the moments of thy beauty

Thy ebbing smile, thy kiss's readiness,

And memory had taught my heart the duty

To know thee ever at that death!essness.

But when I came where thou wert laid, and saw

The natural flowers ignoring thee sans blame,

And the encroaching grass, with casual flaw,

Framing the stone to age where was thy name,

I knew not how to feel, nor what to be

Towards thy fate's material secrecy.


I

Seja falar, escrever, olhar sequer,

Sempre inaparentes somos. Nosso ente

Não pode, verbo ou livro, em si conter.

A alma nos fica longe infindamente.

Pensamentos que dermos ou quisermos

Ser alma nossa em gestos revelada

Coração cerrado fica o que tivermos,

De nós mesmos é sempre ignorada.

Abismos de alma a a'ma intransponíveis

Por bem pensar ou manha de o parecer.

Ao mais fundo de nós irredutíveis

Quando ao pensar o ser queremos dizer.

Sonhos de nós, as almas lueilantes,

E duns pr'a outros sonhos doutros antes.

Trad, de José Blanc de Portugal


IV

Não sabia pensar-te como podridão,

E tal tu eras, pois morreste há muito;

Tanto viveste no meu idear vidente,

Que o que já fôste em mim nunca fugia.

Fixara instantes da beleza tua —

Sorriso fluido, a prontidão do beijo,

E o grato recordar bem m e ensinara

A conhecer-te assim sempre imortal.

Mas, ao chegar onde t u jazes, v i

As flores que, sem culpa, ali te ignoram,

E a relva tão casual que intrusa ajeita

Ao tempo a pedra onde o teu nome estava,

E que sentir não soube, nem que ser

Ante o segredo mat'rial do fado.

Trad, de Jorge de Sena


VI

As a bad orator, badly o'er-book-skilled,

r>oth overflow his purpose with made heat,

And, like a clock, winds with withoutneae willed

What should have been an inner instinct's feat;

Or as a prose-wit, harshly poet turned,

Lacking the subtler music in his measure,,

With useless care labours but to be spurned,

Courting in alien speech the Muse's pleasure;

I study how to love or how to hate,

Estranged by consciousness from sentiment,

With a thought feeling forced to be sedate

Even when the feeling's nature is violent;

As who would learn to swin without the river,

When nearest to the trick, as far as ever.


VII

Thy words are torture to me, that scarce grieve thee —

That entire death shall null my entire thought;

And feel torture, not that I believe thee,

B ut that I cannot disbelieve thee not.

Shall that of me that now contains the stars

Be by the very contained etars survived?

Thus were Fate all unjust. Yet what truth bars

An all unjust Fate's truth from being believed?

Conjecture cannot fit to the seen world

A garment of its thought untorn or covering,

Or with its stuffed garb forge an otherworld

Without itself its dead deceit discovering;

So, all being possible, an idle thought may

Less idle thoughts, self-known no truer, dismay.


VI

Como o mau orador, demais livresco,

De calor finto inunda o seu propósito,

E, qual relógio, só desdobra em corda

O que ser deveria do imo instinto;

Ou como o prosador feito poeta,

Sem ter no metro a música mais fina,

Inutilmente cuida em conquistar

Da Musa os seus favores em língua estranha;

Eu estudo como odiar e como amar,

Pela consciência alheio ao sentimento,

Com pensado sentir forçado a suave,

Quando, se natural, violento ele fôra.

Qual quem, treinando-se a nadar em seco,

Ao quase já saber, não sabe nunca.

Trad, de Jorge de Sena

VII

Teus ditos me torturam, que a t i mal te doem —

Que inteira morte anule minha inteira idéia;

E me torturo, não porque de t i não creia,

Mas porque me é impossível não descrer de ti .

Será isso de mim que ora contêm os astros

Pelos contidos astros, pois, sobrevivido?

Seria um Fado injusto. Mas qual a verdade

Que impede um vero Fado injusto de ser criado?

Nenhuma conjectura o visto mundo acerta

De cobrir com vestidos do seu pensamento

Ou de com estofos reforjar um outro mundo

Sem que ao seu morto engano ela mesma descubra;

Assim, possível tudo, uma ócia idéia perde,

Cientes de não mais verás, outras que o são menos.

Trad, de Jorge de Sena


VIII 

How many masks wear we, and undermasks,

Upon our countenance of soul, and when,

I f for self-sport the soul itself unmasks,

Knows it the last mask off and the face plain?

The true mask feels no inside to the mask

But looks out of the mask by co-masked eyes.

Whatever consciousness begins the task

The task's accepted use to sleepness ties.

Like a child frighted by its mirrored faces,

Our souls, that children are, being thought-losing,

Foist otherness upon their seen grimaces

And get a whole world on their forgot causing;

And, when a thought wourld unmask our soul's masking,

Itself goes not unmasked to the unmasking.


IX

Oh to be id'e loving idleness!

But I am idle all in hate of me;

Ever in action's dream, in the false stress

Of purposed action never act to be.

Like a fierce beast self-penned in a bait-lair,

My will to act binds with excess my action,

'Not-acting cols the thought with raged, despair,

And acting rage doth paint despair distraction.

Like someone sinking in a treacherous sand,

Each gesture to deliver sinks the more;

The struggle avails not, and to raise no hand,

Though but more slow'y useless, we've no power.

Hence live I the dead life each day doth bring,

Repurposed for next day's repurposing.


VIII

Ah quantas máscaras e submáscaras,

Usamos nós no rosto de alma, e quando,

Por jogo apenas, ela tira a máscara,

Sabe que a última tirou enfim?

De máscaras não sabe a vera máscara,

E lá de dentro fita mascarada.

Que consciência seja que se afirme,

O aceite uso de afirmar-se a ensona.

Como criança que ante o espelho teme,

As nossas almas, crianças, distraídas,

Julgam ver outras nas caretas vistas

E um mundo inteiro na esquecida causa;

E, quando um pensamento desmascara,

Desmascarar não vai desmascarado.

Trad, de Jorge de Sena


IX

Oh ser ocioso amando a ociosidade!

Mas eu todo me odeio no meu ócio;

Sempre em sonhos de ação. ou no fingir

Intenta ação que nunca será ato.

Como uma fera no covil se enjaula,

Querer agir, de excesso, me a ação prende,

O não agir é desespero em raiva,

Raiva de agir perturba o desespero.

Como alguém que se afunde em treda areia,

Cada gesto de fuga mais o afunda;

Não vai' lutar, e de não estrebuchar,

Mais lento fim, não temos nós poder,

Por isso eu vivo, ao dia, a morte vida,

Sempre disposto a me dispor depois.

Trad, de Jorge de Sena


XII

As the lone, frighted user of a night-road

Suddenly turns roud, nothing to detect,

Yet on his fear's sense keepeth still the load

Of that brink-nothing he doth but suspect;

And the cold terror moves to him more near

Of something that from nothing casts a spell,

That, when he moves, to fright more is not there,

Arad's only visible when invisible:

So I upon the world turn round in thought.

And nothing viewing do no courage take,

But my more terror, from no seen cause got,

To that felt corporate emptiness forsake,

And draw my sense of mystery's horror from

Seeing no mystery's mystery alone.


XVI

We never joy enjoy to that full point

Regret doth wish joy had enjoyed been.

Nor have the strength regret to disappoint

Recaling not past joy's thought, but its mien.

Yet joy was joy when it enjoyed was

And after-enjoyed when as joy recalled,

I t must have been joy ere its joy did pass

And, recalled, joy still, since its being-past galled.

Alas! All this is useless, for joy's in

Enjoying, not in thinking of enjoying.

Its mere thought-mirroring gainst itself doth sin,

By mere reflecting solid life destroying.

Yet the more thought we take to thought to prove

It must not think, doth further from joy move.


XII

Qual quem vai só, com medo, por noturna estrada

De súbito se volta para nada ver,

Mas no senso do medo guarda o peso ainda

Desse nada abeirado que suspeita apenas;

E o terror frio o leva para bem mais perto

De algo que lá do nada lhe fascínio lança,

E que, quando el' se move, p'ra assustá-lo mais,

Não está, e apenas é visível, se invisível:

Assim em pensamento volto-me no mundo,

E nada nele vendo não ganho coragem,

Mas meu terror maior, por a não vista causa,

A tal corpóreo pressentido vácuo entrego,

E o senso meu do horror de haver mistério eu tiro

De, sozinho, não ver mistério de mistério.

Trad, de Jorge de Sena


XVI

Jamais o gozo goza àquele ponto extremo

Que a saudade requer gozado fosse o gozo,

Nem ela tem poder que fruste o recordar

Não do passado gozo a idéia, mas a imagem

Mas por ter sido gozo quando foi gozado

E ainda post-gozado como tal lembrado,

Gozo teve que ser antes de ser passado

E gozo ao recordar, pois ser passado dói.

A i ! De que vai' tudo isto, já que o gozo está

Não em pensar o gozo mas em só gozá-lo.

Seu refletir-se em idéia contra ei' próprio peca

Pois de só refletir destrói a vida solida.

Mas quanto mais pensamos em pensar provar

Não se dever pensar, do gozo mais fugimos.

Trad, de Adolfo Casais Monteiro e de Jorge de Sena


XVII 

Indefinite space, which, by co-substance night,

I n one black mystery two void mysteries blends;

The stray stars, whose innumerable light

Repeats one mystery til l conjecture ends;

The stream of time, known by birth-bursting bubbles;

The gulf of silencie, empty even of nought;

Thought's high-walled maze, which the outed owner trouble*

Because the string's lost and the plan forgot:

When I think on this and that here I stand,

The thinker of these thoughts, emptily wise,

Holding up to my thinking my thing-hand

And looking at it with thought-alien eyes,

The prayer of my wonder looketh past

The universal darkness lone and vast.


XIX

Beauty and love let no one separate.

Whom exact Nature did to each other fit,

Giving to Beauty love as finishing fate

And to Love beauty as true colour of it.

Let he but friend be who the soul finds fair,

But te none love outside the body's thought,

So the seen couple's togetherness shall bear

Truth to the beauty each in the other sought.

I could but love thee out of mockery.

Of love and thee and mine own ugliness;

Therefore thy beauty I sing and wish not thee,

Thanking the Gods I long not out of place,

Lest, like a slave that for kings' robes doth longe,

Obtained, shall with mere wearing do them wrong.


XVIII

Indefinido espaço, que, por noite afim.

Vácuos enigmas dois num negro enigma junta;

Astros dispersos, cuja inumerável luz

Repete um enigma além das conjecturas findas;

Rio do tempo, havido em nascituras bolhas;

Abismo de silêncio, nem por nada enchido;

Labirinto de idéias de que o dono é expulso

Porque perdido é o fio e foi esquecido o p'ano:

Quando medito nisto e em como estou aqui,

Vazio pensador destas idéias sábias,

Erguendo ao pensamento a minha mão que é coisa,

Fitando-a com meus olhos 'de pensar alheado,

A oração do espanto fita para lá

Da treva universal tão solitária e vasta.

Trad, de Jorge de Sena


XIX

Que da beleza amor ninguém separe,

Que a exata Natureza um de outro os fêz,

Dando à Beleza amor como destino

E a Amor beleza como vera cor.

Amigo seja o que alma julga bela,

E ninguém ame para além do corpo,

Que o visto par unido assim dará

Verdade ao belo em cada qual buscado.

Só poderia amar-te por escárneo

De amor, de ti , de minha fealdade;

E sem desejo pois tua beleza

Eu canto, em meu lugar graças aos Deuses,

Não como o escravo que por reais trajos

Anseia, e só de usá-los os corrompe.

Trad, de Jorge de Sena


XX

When in the widening circle of rebirth

To a new flesh my travelled soul sha'l come,

And try again the unremembered earth

With the old sadness for the immortal home,

Shall I revisit these same differing fields

And cull the old new flowers with the same sense,

That some small breath of foiled remembrance yields,

Of more age than my days in this pretence?

Shall I again regret strange faces lost

Of which the present memory is forgot

And but in unseen bulks of vagueness tossed

Out of the closed sea and black night of Thought?

Were thy face one, what sweetness wi'l't not be,

Though by blind feeling, to remember thee!


XXI

Thought was born blind, but Thought knows what is seeing.

Its careful touch, deciphering forms from shapes,

Still suggests form as aught whose proper being

Mere finding touch with erring darkness drapes.

Tet whence, except from guessed sight, does touch teach

That touch is but a close and empty sense?

How does mere touch, self-uncontented, reach

For some, truer sense's whole intelligence?

The thingonce touched, i f touch be now omitted,

Stands yet in memory real and outward known,

So the untouching memory of touch is fitted

With sense of a sense whereby far things are shown

So, by touch of untouching, wrongly aright,

Touch' thought of seeing sees not things but Sight.


XX

Quando no ampliante círculo do renascer

A nova carne vier minha alma viajada,

E de novo tentar a deslembrada terra

Com a saudade antiga da pátria imortal,

Hei-de revisitar os mesmos prados vários,

Colher por novas flores as velhas com o sentido,

Que um hálito de fruste recordar detém,

De mais idade então do que serão meus dias?

Lamentarei de novo estranhos idos rostos

Dos quais a atual memória já está esquecida

E só em vaguidões invisas se projeta

Fora do mar fechado e noite do Pensar?

Fosse uma a tua face, e qual doçura fora,

Em cego sentimento embora, o recordar-te!

Trad, de Jorge de Sena


XXI

Pensar cego nasceu, mas sabe o que ver é.

Seu cauto toque, formas e contornos lendo,

Inda sugere a forma como algo que o ser

O mero tato veste em escuridade errante.

Se não da vista adivinhada, o tacto ensina

Que o tacto apenas é fechado e vácuo senso?

Como, de si incréu, mero tocar atinge

Da inteligência toda um mais vero sentido?

A coisa que é tocada, ora omitida ao toque,

Na memória é que fica, real e só exterior,

Assim o intocante recordar do toque

fi senso de um sentido que às distantes coisas

Mostra, tacto do intacto, tão erradi-certas,

Que o pensar-ver do tacto as não vê mais Visão.

Trad, de Jorge de Sena


XXII

My soul is a stiff pageant, man by man,

Of some Egyptian ar t than Egypt older,

Found in some tomb whose rite no guess can scan,

Where all things else to coloured dust did moulder.

Whate'er its sense may mean, its age is twin

To that of priesthoods whose feet stood near God,

When knowledge was so great that 'twas a sin

And man's mere soul too man for its abode.

But when I ask what means that pageant I

And would look at it suddenly, I lose

The sense I had of seeing it, nor can try

Again to look, nor hath my memory a use

That seems recalling, save that it recalls

An emptiness of having seen those walls.


XXIII

Even as upon a low and cloud-domed day,

When clouds are one cloud til l the horizon,

Our thinking senses deem the sun away

And sav "ti s sunless" and "there is no sun";

And yet the very day they wrong truth by

Is of the unseen sun's effluent essence,

The very words do give themselves the lie.

The very thought of absence comes from presence:

Even so deem we through Good of what is evil.

He speaks of light that speaks of absent light,

And absent god, becoming present devil,

Is still the absent god by essence' right.

The withdrawn cause by being withdrawn doth get

(Being thereby cause still) the denied effect.


XXII

Minh'alma são figuras que perpassam hirtas,

De alguma arte do Egito mais que Egito velha,

Achadas numa tumba de ignorado rito,

Onde em pó colorido o mais já se desfez.

Que quer me signifiquem, sua idade é gêmea

De padres cujos pés perto de Deus pisavam,

Quando o saber, de grande, era por si pecado

E homem demais, ao corpo, a simples alma humana.

Mas quando inquira o que é tal figurado eu,

E o fitasse de súbito, o sentido perco

Que tinha de o ter visto, nem já sei tentar

Olhá-lo uma vez mais, nem a memória tem

Um jeito como de invocar, salvo que invoca

Um vácuo de ter visto essas paredes antes.


XXIII

Como de um dia rente e de forrada curva,

E m que as nuvens são uma até ao horizonte,

Nosso pensante senso julga o sol perdido

E diz que "não há sol" ou que "sem sol estamos";

E todavia o dia que ei' falseia certo

15 desse inviso sol a própria efluxa essência,

Por veras, as palavras a si próprias mentem,

Da ausência a mesma idéia vem de estar presente:

Ainda que, além do Bem, do que é só mal supomos.

Fala da luz quem fala de uma ausente luz,

E deus ausente, que demônio atual se torna,

Ê sempre o deus ausente por de essência juz.

A retirada causa, ao sê-lo, mais consegue

(Sendo que é causa ainda) o denegado efeito.

Trad, de Jorge de Sena


XXIV

Something in me was born before the stars

And saw the sun begin from far away.

Our yellow, local day on its wont jars,

For it hath communed with an absolute day.

Through my Thought's night, as a worn rob's heard trail

That I have never seen, I drag this past

That saw the Possible like a dawn grow pale

On the lost night before it, mute and vast.

I t dates remoter than God's birth can reach,

That had no birth but the world's coming after.

So the world's to me as, after whispered speech,

The cause-ignored sudden echoing of laughter.

That't has a meaning my conjecture knows.

But that 't has meaning's all its meaning shows.


XXV

We are in Fate and Fate's and do but lack

Outness from soul to know ourselves its dwelling,

And do but compel Fate aside or back

By Fate's own immanences in the compelling.

We are too far in us from outward truth

To know how much we are not what we are,

And live but in the heat of error's youth,

Yet young enough its acting youth to ignore.

The doubleness of mind fails us, to g.ance

At our exterior presence amid things,

Sizing from otherness our countenance

And seeing our puppet will's act-acting strings.

An unknown language speaks in us, which we

Are at the words of, fronted from reality.


XXIV

Alguma coisa em mim nasceu antes dos astros

E viu, lá muito ao longe, começar o sol.

Fusco, local, e nosso, o dia range no hábito,

Por já ter comungado um dia absoluto.

Pela noite mental, como de vestes cauda

Ruge, que nunca vi, arrasto este passado

Que viu qual primo alvor o Possível dealbar

Sobre a noite anterior, perdida, muda e vasta.

Vêm de mais longe que o nascer de Deus alcança,

Cujo nascer é só ter vindo o mundo após.

O mundo é pois p'ra mim como, dito um murmúrio,

Súbito ecoar dum riso de ignorada causa.

Que isto tem um sentido, a conjectura sabe,

Mas ter sentido é quanto o seu sentido mostra.

Trad, de Adolfo Casais Monteiro e Jorge de Sena


XXV

Do Fado e nele somos e nos falta só,

Para lar seu nos vermos, um exterior à alma,

E o Fado compelimos a desviar-se apenas

Pela imanência del' no compelir fatal.

De extraverdade somos demais longe em nós

Para sabermos quanto o que somos não somos,

E vivemos no ardor da juventude do erro,

Porém jovens bastante p'ra ignorá-la atuante.

Duplicidade falta-nos, para atentarmos

Em nosso estar lá fora no meio das coisas,

Da alteridade aparte o nosso aspeto pondo,

Vendo os cordéis mexer do titerado arbítrio.

Uma ignota linguagem fala em nós, em cujas

Palavras inda estamos, contra o real voltados.

Trad, de Jorge de Sena


XXVI

The world is woven all of dream and error

And but one sureness in our truth may lie —

That when we hold to aught our thinking's mirror

We know it not by knowing it thereby.

For but one side of things the mirror knows,

And knows it colded from its -solidness.

A double lie its truth is; what it shows

By true show's false and nowhere by true place.

Thought clouds our life's day-sense with strangeness, yet

Never from strangeness more than that it's strange

Doth buy our perplexed thinking, for we get

But the words' sense from words — knowledge, truth, change

We know the world is false, not what is true.

Yet we think on, knowing we ne'er shall know.


XXX

I do not know what truth the false untruth

Of this sad sense of the seen world may own,

Or if this flowered plant bears also a fruit

Unto the true reality unknown.

But as the rainbow, neither earth's nor sky's,

Stands in the dripping freshness of lulled rain.

A hope, not real yet not fancy's, lies

Athwart the moment of our ceasing pain.

Somehow, since pain is felt yet felt as ill ,

Hope hath a better warrant than being hoped;

Sinc'e pain is felt as aught we should not feel

Man hath a Nature's reason for having groped,

Since Time was Time and age and grief his measures,

Towards a better shelter than Time's pleasures.


XXVI

O mundo é teia urdida só de sonho e de erro

E uma certeza apenas tem nossa verdade —

Que quando perscrutamos o mental espelho

Nada sabemos nele por saber dali.

Das coisas de um só lado é quanto o espelho sabe,

E o sabe congelado em solidez perdida.

Dupla mentira é pois sua verdade; o que

Seu mostrar mostra vero é falso e está nenhures.

Pensar enubla o momentâneo senso

Co'uma estranheza, e nunca que o ser estranho mais

O idear perplexo obtém: tiramos das palavras,

Vero, mutável, certo, só o sentido delas.

Sabemos falso o mundo, não o que é verdade.

Mas pensamos, sabendo que jamais sabemos.

Trad, de Adolfo Casais Monteiro e de Jorge de Sena


XXX

Deste, do visto mundo, triste senso ignoro

Que verdade terá sua inverdade falsa,

Ou se a florida planta dá também um fruto

Em na realidade verdadeira ignoto.

Mas como o arco-íris, nem da terra ou céu,

E no frescor gotejante na suspensa chuva,

Uma nem real esp'rança nem imaginária

Cruza o momento em que a nossa dor expira.

Mas visto à dor sentida como um mal sentirmos,

Melhor que ser esp'rada é o penhor da esp'ranca;

Pois sentimos a dor qual sentir não devêramos

Razão natural há de o homem ter buscado,

Desde que o Tempo é Tempo e idade e pena o medem.

Outro melhor abrigo que os prazeres do Tempo.

Trad, de Adolfo Casais Monteiro e de Jorge de Sena


XXXII

When I have sense of what to sense appears,

Sense is sense ere 'tis mine or mine in me is.

When I hear, Hearing, ere I do hear, hears.

When I see, before me abstract Seeing sees.

I am part Soul part I in all I touch —

Soul by that part I hold in common with all.

And I the spoiled part, that doth make sense such

As I can err by it and my sense mine call.

The rest is wondering what these thoughts may mean,

That come to explain and suddenly are gone,

Like messengers that mock the message' mien,

Explaining all but the explanation;

As if we a ciphered letter's cipher hit

And find it in an unknown language writ.


XXXIII

He that goes back does, since he goes, advance,

Though he doth not advance who goeth back,

And he that seeks, though he on nothing chance,

May still by words be said to find a lack.

This paradox of having, that is nought

I n the world's meaning of the things it screens,

Is yet true of the substance of pure thought

And there means something by the nought it means.

For thinking nought does on nought being confer,

As giving not is acting not to give,

And, to the same unbribed true thought, to err

Is to find truth, though by its negative.

So why call this world false, if false to be

Be to be aught, and being aught Being to be?


XXXII

Quando sentido eu tenho do que ao senso surge,

O senso é senso em mim já antes de ser meu.

Quando ouço o Ouvir, antes que mesmo eu ouça, ouve.

Se vejo, antes de mim o Ver abstrato vê.

Parte Alma eu sou, parte E u em tudo quanto toco —

Alma pelo que atinjo de comum com tudo,

E E u a caída parte que faz senso tal

Que posso errar por êle e senso meu chamar-lhe.

O resto é meditar em que significado

Terão explicações que súbitas se somem.

Quais mensageiros rindo da mensagem que

Tudo vem explicar menos a explicação,

Como se havida a cifra de uma cripto-carta,

Achamos que está escrita numa língua ignota. 

Translated by José Sena

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