In the bilingual text presented below, each of the other 21 sonnets now published bears an indication of who wrote it.
translated: 16 translations belong to José Sena, 4 are by Casais Monteiro and mine, 1 is by José Blanc from Portugal.
***
I
Wheter we write or speak or do but look
We are ever unapparent. What we are
Cannot be transfused into word or book.
Our soul from us is infinitely far .
However much we give our thoughts the wil l
To ber our soul ana gesture it abroad,
Our hearts are incommunicable still.
I n what we show ourselves we are ignored.
The abyss from soul to soul cannot be bridged
By any skill of thought or trick of seeming.
Unto our very selves we are abridged
When we would utter to our thought our being.
We are our dreams of ourselves, souls by gleams,
And each to each other dreams of others' dreams,
IV
I could not think of thee as pieced rot,
Yet such thou wert, for thou hadst been long dead;
Yet thou liv'ast entire in my seeing thought
And what thou wer t in me had never fled.
Nay, I had fixed the moments of thy beauty
Thy ebbing smile, thy kiss's readiness,
And memory had taught my heart the duty
To know thee ever at that death!essness.
But when I came where thou wert laid, and saw
The natural flowers ignoring thee sans blame,
And the encroaching grass, with casual flaw,
Framing the stone to age where was thy name,
I knew not how to feel, nor what to be
Towards thy fate's material secrecy.
I
Seja falar, escrever, olhar sequer,
Sempre inaparentes somos. Nosso ente
Não pode, verbo ou livro, em si conter.
A alma nos fica longe infindamente.
Pensamentos que dermos ou quisermos
Ser alma nossa em gestos revelada
Coração cerrado fica o que tivermos,
De nós mesmos é sempre ignorada.
Abismos de alma a a'ma intransponíveis
Por bem pensar ou manha de o parecer.
Ao mais fundo de nós irredutíveis
Quando ao pensar o ser queremos dizer.
Sonhos de nós, as almas lueilantes,
E duns pr'a outros sonhos doutros antes.
Trad, de José Blanc de Portugal
IV
Não sabia pensar-te como podridão,
E tal tu eras, pois morreste há muito;
Tanto viveste no meu idear vidente,
Que o que já fôste em mim nunca fugia.
Fixara instantes da beleza tua —
Sorriso fluido, a prontidão do beijo,
E o grato recordar bem m e ensinara
A conhecer-te assim sempre imortal.
Mas, ao chegar onde t u jazes, v i
As flores que, sem culpa, ali te ignoram,
E a relva tão casual que intrusa ajeita
Ao tempo a pedra onde o teu nome estava,
E que sentir não soube, nem que ser
Ante o segredo mat'rial do fado.
Trad, de Jorge de Sena
VI
As a bad orator, badly o'er-book-skilled,
r>oth overflow his purpose with made heat,
And, like a clock, winds with withoutneae willed
What should have been an inner instinct's feat;
Or as a prose-wit, harshly poet turned,
Lacking the subtler music in his measure,,
With useless care labours but to be spurned,
Courting in alien speech the Muse's pleasure;
I study how to love or how to hate,
Estranged by consciousness from sentiment,
With a thought feeling forced to be sedate
Even when the feeling's nature is violent;
As who would learn to swin without the river,
When nearest to the trick, as far as ever.
VII
Thy words are torture to me, that scarce grieve thee —
That entire death shall null my entire thought;
And feel torture, not that I believe thee,
B ut that I cannot disbelieve thee not.
Shall that of me that now contains the stars
Be by the very contained etars survived?
Thus were Fate all unjust. Yet what truth bars
An all unjust Fate's truth from being believed?
Conjecture cannot fit to the seen world
A garment of its thought untorn or covering,
Or with its stuffed garb forge an otherworld
Without itself its dead deceit discovering;
So, all being possible, an idle thought may
Less idle thoughts, self-known no truer, dismay.
VI
Como o mau orador, demais livresco,
De calor finto inunda o seu propósito,
E, qual relógio, só desdobra em corda
O que ser deveria do imo instinto;
Ou como o prosador feito poeta,
Sem ter no metro a música mais fina,
Inutilmente cuida em conquistar
Da Musa os seus favores em língua estranha;
Eu estudo como odiar e como amar,
Pela consciência alheio ao sentimento,
Com pensado sentir forçado a suave,
Quando, se natural, violento ele fôra.
Qual quem, treinando-se a nadar em seco,
Ao quase já saber, não sabe nunca.
Trad, de Jorge de Sena
VII
Teus ditos me torturam, que a t i mal te doem —
Que inteira morte anule minha inteira idéia;
E me torturo, não porque de t i não creia,
Mas porque me é impossível não descrer de ti .
Será isso de mim que ora contêm os astros
Pelos contidos astros, pois, sobrevivido?
Seria um Fado injusto. Mas qual a verdade
Que impede um vero Fado injusto de ser criado?
Nenhuma conjectura o visto mundo acerta
De cobrir com vestidos do seu pensamento
Ou de com estofos reforjar um outro mundo
Sem que ao seu morto engano ela mesma descubra;
Assim, possível tudo, uma ócia idéia perde,
Cientes de não mais verás, outras que o são menos.
Trad, de Jorge de Sena
VIII
How many masks wear we, and undermasks,
Upon our countenance of soul, and when,
I f for self-sport the soul itself unmasks,
Knows it the last mask off and the face plain?
The true mask feels no inside to the mask
But looks out of the mask by co-masked eyes.
Whatever consciousness begins the task
The task's accepted use to sleepness ties.
Like a child frighted by its mirrored faces,
Our souls, that children are, being thought-losing,
Foist otherness upon their seen grimaces
And get a whole world on their forgot causing;
And, when a thought wourld unmask our soul's masking,
Itself goes not unmasked to the unmasking.
IX
Oh to be id'e loving idleness!
But I am idle all in hate of me;
Ever in action's dream, in the false stress
Of purposed action never act to be.
Like a fierce beast self-penned in a bait-lair,
My will to act binds with excess my action,
'Not-acting cols the thought with raged, despair,
And acting rage doth paint despair distraction.
Like someone sinking in a treacherous sand,
Each gesture to deliver sinks the more;
The struggle avails not, and to raise no hand,
Though but more slow'y useless, we've no power.
Hence live I the dead life each day doth bring,
Repurposed for next day's repurposing.
VIII
Ah quantas máscaras e submáscaras,
Usamos nós no rosto de alma, e quando,
Por jogo apenas, ela tira a máscara,
Sabe que a última tirou enfim?
De máscaras não sabe a vera máscara,
E lá de dentro fita mascarada.
Que consciência seja que se afirme,
O aceite uso de afirmar-se a ensona.
Como criança que ante o espelho teme,
As nossas almas, crianças, distraídas,
Julgam ver outras nas caretas vistas
E um mundo inteiro na esquecida causa;
E, quando um pensamento desmascara,
Desmascarar não vai desmascarado.
Trad, de Jorge de Sena
IX
Oh ser ocioso amando a ociosidade!
Mas eu todo me odeio no meu ócio;
Sempre em sonhos de ação. ou no fingir
Intenta ação que nunca será ato.
Como uma fera no covil se enjaula,
Querer agir, de excesso, me a ação prende,
O não agir é desespero em raiva,
Raiva de agir perturba o desespero.
Como alguém que se afunde em treda areia,
Cada gesto de fuga mais o afunda;
Não vai' lutar, e de não estrebuchar,
Mais lento fim, não temos nós poder,
Por isso eu vivo, ao dia, a morte vida,
Sempre disposto a me dispor depois.
Trad, de Jorge de Sena
XII
As the lone, frighted user of a night-road
Suddenly turns roud, nothing to detect,
Yet on his fear's sense keepeth still the load
Of that brink-nothing he doth but suspect;
And the cold terror moves to him more near
Of something that from nothing casts a spell,
That, when he moves, to fright more is not there,
Arad's only visible when invisible:
So I upon the world turn round in thought.
And nothing viewing do no courage take,
But my more terror, from no seen cause got,
To that felt corporate emptiness forsake,
And draw my sense of mystery's horror from
Seeing no mystery's mystery alone.
XVI
We never joy enjoy to that full point
Regret doth wish joy had enjoyed been.
Nor have the strength regret to disappoint
Recaling not past joy's thought, but its mien.
Yet joy was joy when it enjoyed was
And after-enjoyed when as joy recalled,
I t must have been joy ere its joy did pass
And, recalled, joy still, since its being-past galled.
Alas! All this is useless, for joy's in
Enjoying, not in thinking of enjoying.
Its mere thought-mirroring gainst itself doth sin,
By mere reflecting solid life destroying.
Yet the more thought we take to thought to prove
It must not think, doth further from joy move.
XII
Qual quem vai só, com medo, por noturna estrada
De súbito se volta para nada ver,
Mas no senso do medo guarda o peso ainda
Desse nada abeirado que suspeita apenas;
E o terror frio o leva para bem mais perto
De algo que lá do nada lhe fascínio lança,
E que, quando el' se move, p'ra assustá-lo mais,
Não está, e apenas é visível, se invisível:
Assim em pensamento volto-me no mundo,
E nada nele vendo não ganho coragem,
Mas meu terror maior, por a não vista causa,
A tal corpóreo pressentido vácuo entrego,
E o senso meu do horror de haver mistério eu tiro
De, sozinho, não ver mistério de mistério.
Trad, de Jorge de Sena
XVI
Jamais o gozo goza àquele ponto extremo
Que a saudade requer gozado fosse o gozo,
Nem ela tem poder que fruste o recordar
Não do passado gozo a idéia, mas a imagem
Mas por ter sido gozo quando foi gozado
E ainda post-gozado como tal lembrado,
Gozo teve que ser antes de ser passado
E gozo ao recordar, pois ser passado dói.
A i ! De que vai' tudo isto, já que o gozo está
Não em pensar o gozo mas em só gozá-lo.
Seu refletir-se em idéia contra ei' próprio peca
Pois de só refletir destrói a vida solida.
Mas quanto mais pensamos em pensar provar
Não se dever pensar, do gozo mais fugimos.
Trad, de Adolfo Casais Monteiro e de Jorge de Sena
XVII
Indefinite space, which, by co-substance night,
I n one black mystery two void mysteries blends;
The stray stars, whose innumerable light
Repeats one mystery til l conjecture ends;
The stream of time, known by birth-bursting bubbles;
The gulf of silencie, empty even of nought;
Thought's high-walled maze, which the outed owner trouble*
Because the string's lost and the plan forgot:
When I think on this and that here I stand,
The thinker of these thoughts, emptily wise,
Holding up to my thinking my thing-hand
And looking at it with thought-alien eyes,
The prayer of my wonder looketh past
The universal darkness lone and vast.
XIX
Beauty and love let no one separate.
Whom exact Nature did to each other fit,
Giving to Beauty love as finishing fate
And to Love beauty as true colour of it.
Let he but friend be who the soul finds fair,
But te none love outside the body's thought,
So the seen couple's togetherness shall bear
Truth to the beauty each in the other sought.
I could but love thee out of mockery.
Of love and thee and mine own ugliness;
Therefore thy beauty I sing and wish not thee,
Thanking the Gods I long not out of place,
Lest, like a slave that for kings' robes doth longe,
Obtained, shall with mere wearing do them wrong.
XVIII
Indefinido espaço, que, por noite afim.
Vácuos enigmas dois num negro enigma junta;
Astros dispersos, cuja inumerável luz
Repete um enigma além das conjecturas findas;
Rio do tempo, havido em nascituras bolhas;
Abismo de silêncio, nem por nada enchido;
Labirinto de idéias de que o dono é expulso
Porque perdido é o fio e foi esquecido o p'ano:
Quando medito nisto e em como estou aqui,
Vazio pensador destas idéias sábias,
Erguendo ao pensamento a minha mão que é coisa,
Fitando-a com meus olhos 'de pensar alheado,
A oração do espanto fita para lá
Da treva universal tão solitária e vasta.
Trad, de Jorge de Sena
XIX
Que da beleza amor ninguém separe,
Que a exata Natureza um de outro os fêz,
Dando à Beleza amor como destino
E a Amor beleza como vera cor.
Amigo seja o que alma julga bela,
E ninguém ame para além do corpo,
Que o visto par unido assim dará
Verdade ao belo em cada qual buscado.
Só poderia amar-te por escárneo
De amor, de ti , de minha fealdade;
E sem desejo pois tua beleza
Eu canto, em meu lugar graças aos Deuses,
Não como o escravo que por reais trajos
Anseia, e só de usá-los os corrompe.
Trad, de Jorge de Sena
XX
When in the widening circle of rebirth
To a new flesh my travelled soul sha'l come,
And try again the unremembered earth
With the old sadness for the immortal home,
Shall I revisit these same differing fields
And cull the old new flowers with the same sense,
That some small breath of foiled remembrance yields,
Of more age than my days in this pretence?
Shall I again regret strange faces lost
Of which the present memory is forgot
And but in unseen bulks of vagueness tossed
Out of the closed sea and black night of Thought?
Were thy face one, what sweetness wi'l't not be,
Though by blind feeling, to remember thee!
XXI
Thought was born blind, but Thought knows what is seeing.
Its careful touch, deciphering forms from shapes,
Still suggests form as aught whose proper being
Mere finding touch with erring darkness drapes.
Tet whence, except from guessed sight, does touch teach
That touch is but a close and empty sense?
How does mere touch, self-uncontented, reach
For some, truer sense's whole intelligence?
The thingonce touched, i f touch be now omitted,
Stands yet in memory real and outward known,
So the untouching memory of touch is fitted
With sense of a sense whereby far things are shown
So, by touch of untouching, wrongly aright,
Touch' thought of seeing sees not things but Sight.
XX
Quando no ampliante círculo do renascer
A nova carne vier minha alma viajada,
E de novo tentar a deslembrada terra
Com a saudade antiga da pátria imortal,
Hei-de revisitar os mesmos prados vários,
Colher por novas flores as velhas com o sentido,
Que um hálito de fruste recordar detém,
De mais idade então do que serão meus dias?
Lamentarei de novo estranhos idos rostos
Dos quais a atual memória já está esquecida
E só em vaguidões invisas se projeta
Fora do mar fechado e noite do Pensar?
Fosse uma a tua face, e qual doçura fora,
Em cego sentimento embora, o recordar-te!
Trad, de Jorge de Sena
XXI
Pensar cego nasceu, mas sabe o que ver é.
Seu cauto toque, formas e contornos lendo,
Inda sugere a forma como algo que o ser
O mero tato veste em escuridade errante.
Se não da vista adivinhada, o tacto ensina
Que o tacto apenas é fechado e vácuo senso?
Como, de si incréu, mero tocar atinge
Da inteligência toda um mais vero sentido?
A coisa que é tocada, ora omitida ao toque,
Na memória é que fica, real e só exterior,
Assim o intocante recordar do toque
fi senso de um sentido que às distantes coisas
Mostra, tacto do intacto, tão erradi-certas,
Que o pensar-ver do tacto as não vê mais Visão.
Trad, de Jorge de Sena
XXII
My soul is a stiff pageant, man by man,
Of some Egyptian ar t than Egypt older,
Found in some tomb whose rite no guess can scan,
Where all things else to coloured dust did moulder.
Whate'er its sense may mean, its age is twin
To that of priesthoods whose feet stood near God,
When knowledge was so great that 'twas a sin
And man's mere soul too man for its abode.
But when I ask what means that pageant I
And would look at it suddenly, I lose
The sense I had of seeing it, nor can try
Again to look, nor hath my memory a use
That seems recalling, save that it recalls
An emptiness of having seen those walls.
XXIII
Even as upon a low and cloud-domed day,
When clouds are one cloud til l the horizon,
Our thinking senses deem the sun away
And sav "ti s sunless" and "there is no sun";
And yet the very day they wrong truth by
Is of the unseen sun's effluent essence,
The very words do give themselves the lie.
The very thought of absence comes from presence:
Even so deem we through Good of what is evil.
He speaks of light that speaks of absent light,
And absent god, becoming present devil,
Is still the absent god by essence' right.
The withdrawn cause by being withdrawn doth get
(Being thereby cause still) the denied effect.
XXII
Minh'alma são figuras que perpassam hirtas,
De alguma arte do Egito mais que Egito velha,
Achadas numa tumba de ignorado rito,
Onde em pó colorido o mais já se desfez.
Que quer me signifiquem, sua idade é gêmea
De padres cujos pés perto de Deus pisavam,
Quando o saber, de grande, era por si pecado
E homem demais, ao corpo, a simples alma humana.
Mas quando inquira o que é tal figurado eu,
E o fitasse de súbito, o sentido perco
Que tinha de o ter visto, nem já sei tentar
Olhá-lo uma vez mais, nem a memória tem
Um jeito como de invocar, salvo que invoca
Um vácuo de ter visto essas paredes antes.
XXIII
Como de um dia rente e de forrada curva,
E m que as nuvens são uma até ao horizonte,
Nosso pensante senso julga o sol perdido
E diz que "não há sol" ou que "sem sol estamos";
E todavia o dia que ei' falseia certo
15 desse inviso sol a própria efluxa essência,
Por veras, as palavras a si próprias mentem,
Da ausência a mesma idéia vem de estar presente:
Ainda que, além do Bem, do que é só mal supomos.
Fala da luz quem fala de uma ausente luz,
E deus ausente, que demônio atual se torna,
Ê sempre o deus ausente por de essência juz.
A retirada causa, ao sê-lo, mais consegue
(Sendo que é causa ainda) o denegado efeito.
Trad, de Jorge de Sena
XXIV
Something in me was born before the stars
And saw the sun begin from far away.
Our yellow, local day on its wont jars,
For it hath communed with an absolute day.
Through my Thought's night, as a worn rob's heard trail
That I have never seen, I drag this past
That saw the Possible like a dawn grow pale
On the lost night before it, mute and vast.
I t dates remoter than God's birth can reach,
That had no birth but the world's coming after.
So the world's to me as, after whispered speech,
The cause-ignored sudden echoing of laughter.
That't has a meaning my conjecture knows.
But that 't has meaning's all its meaning shows.
XXV
We are in Fate and Fate's and do but lack
Outness from soul to know ourselves its dwelling,
And do but compel Fate aside or back
By Fate's own immanences in the compelling.
We are too far in us from outward truth
To know how much we are not what we are,
And live but in the heat of error's youth,
Yet young enough its acting youth to ignore.
The doubleness of mind fails us, to g.ance
At our exterior presence amid things,
Sizing from otherness our countenance
And seeing our puppet will's act-acting strings.
An unknown language speaks in us, which we
Are at the words of, fronted from reality.
XXIV
Alguma coisa em mim nasceu antes dos astros
E viu, lá muito ao longe, começar o sol.
Fusco, local, e nosso, o dia range no hábito,
Por já ter comungado um dia absoluto.
Pela noite mental, como de vestes cauda
Ruge, que nunca vi, arrasto este passado
Que viu qual primo alvor o Possível dealbar
Sobre a noite anterior, perdida, muda e vasta.
Vêm de mais longe que o nascer de Deus alcança,
Cujo nascer é só ter vindo o mundo após.
O mundo é pois p'ra mim como, dito um murmúrio,
Súbito ecoar dum riso de ignorada causa.
Que isto tem um sentido, a conjectura sabe,
Mas ter sentido é quanto o seu sentido mostra.
Trad, de Adolfo Casais Monteiro e Jorge de Sena
XXV
Do Fado e nele somos e nos falta só,
Para lar seu nos vermos, um exterior à alma,
E o Fado compelimos a desviar-se apenas
Pela imanência del' no compelir fatal.
De extraverdade somos demais longe em nós
Para sabermos quanto o que somos não somos,
E vivemos no ardor da juventude do erro,
Porém jovens bastante p'ra ignorá-la atuante.
Duplicidade falta-nos, para atentarmos
Em nosso estar lá fora no meio das coisas,
Da alteridade aparte o nosso aspeto pondo,
Vendo os cordéis mexer do titerado arbítrio.
Uma ignota linguagem fala em nós, em cujas
Palavras inda estamos, contra o real voltados.
Trad, de Jorge de Sena
XXVI
The world is woven all of dream and error
And but one sureness in our truth may lie —
That when we hold to aught our thinking's mirror
We know it not by knowing it thereby.
For but one side of things the mirror knows,
And knows it colded from its -solidness.
A double lie its truth is; what it shows
By true show's false and nowhere by true place.
Thought clouds our life's day-sense with strangeness, yet
Never from strangeness more than that it's strange
Doth buy our perplexed thinking, for we get
But the words' sense from words — knowledge, truth, change
We know the world is false, not what is true.
Yet we think on, knowing we ne'er shall know.
XXX
I do not know what truth the false untruth
Of this sad sense of the seen world may own,
Or if this flowered plant bears also a fruit
Unto the true reality unknown.
But as the rainbow, neither earth's nor sky's,
Stands in the dripping freshness of lulled rain.
A hope, not real yet not fancy's, lies
Athwart the moment of our ceasing pain.
Somehow, since pain is felt yet felt as ill ,
Hope hath a better warrant than being hoped;
Sinc'e pain is felt as aught we should not feel
Man hath a Nature's reason for having groped,
Since Time was Time and age and grief his measures,
Towards a better shelter than Time's pleasures.
XXVI
O mundo é teia urdida só de sonho e de erro
E uma certeza apenas tem nossa verdade —
Que quando perscrutamos o mental espelho
Nada sabemos nele por saber dali.
Das coisas de um só lado é quanto o espelho sabe,
E o sabe congelado em solidez perdida.
Dupla mentira é pois sua verdade; o que
Seu mostrar mostra vero é falso e está nenhures.
Pensar enubla o momentâneo senso
Co'uma estranheza, e nunca que o ser estranho mais
O idear perplexo obtém: tiramos das palavras,
Vero, mutável, certo, só o sentido delas.
Sabemos falso o mundo, não o que é verdade.
Mas pensamos, sabendo que jamais sabemos.
Trad, de Adolfo Casais Monteiro e de Jorge de Sena
XXX
Deste, do visto mundo, triste senso ignoro
Que verdade terá sua inverdade falsa,
Ou se a florida planta dá também um fruto
Em na realidade verdadeira ignoto.
Mas como o arco-íris, nem da terra ou céu,
E no frescor gotejante na suspensa chuva,
Uma nem real esp'rança nem imaginária
Cruza o momento em que a nossa dor expira.
Mas visto à dor sentida como um mal sentirmos,
Melhor que ser esp'rada é o penhor da esp'ranca;
Pois sentimos a dor qual sentir não devêramos
Razão natural há de o homem ter buscado,
Desde que o Tempo é Tempo e idade e pena o medem.
Outro melhor abrigo que os prazeres do Tempo.
Trad, de Adolfo Casais Monteiro e de Jorge de Sena
XXXII
When I have sense of what to sense appears,
Sense is sense ere 'tis mine or mine in me is.
When I hear, Hearing, ere I do hear, hears.
When I see, before me abstract Seeing sees.
I am part Soul part I in all I touch —
Soul by that part I hold in common with all.
And I the spoiled part, that doth make sense such
As I can err by it and my sense mine call.
The rest is wondering what these thoughts may mean,
That come to explain and suddenly are gone,
Like messengers that mock the message' mien,
Explaining all but the explanation;
As if we a ciphered letter's cipher hit
And find it in an unknown language writ.
XXXIII
He that goes back does, since he goes, advance,
Though he doth not advance who goeth back,
And he that seeks, though he on nothing chance,
May still by words be said to find a lack.
This paradox of having, that is nought
I n the world's meaning of the things it screens,
Is yet true of the substance of pure thought
And there means something by the nought it means.
For thinking nought does on nought being confer,
As giving not is acting not to give,
And, to the same unbribed true thought, to err
Is to find truth, though by its negative.
So why call this world false, if false to be
Be to be aught, and being aught Being to be?
XXXII
Quando sentido eu tenho do que ao senso surge,
O senso é senso em mim já antes de ser meu.
Quando ouço o Ouvir, antes que mesmo eu ouça, ouve.
Se vejo, antes de mim o Ver abstrato vê.
Parte Alma eu sou, parte E u em tudo quanto toco —
Alma pelo que atinjo de comum com tudo,
E E u a caída parte que faz senso tal
Que posso errar por êle e senso meu chamar-lhe.
O resto é meditar em que significado
Terão explicações que súbitas se somem.
Quais mensageiros rindo da mensagem que
Tudo vem explicar menos a explicação,
Como se havida a cifra de uma cripto-carta,
Achamos que está escrita numa língua ignota.
Translated by José Sena
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